PRIMEIRO PERÍODO
Antes da creação da diocese
CAPITULO I
Carmo-Bandeirantes-Minas Geraes
Foi a 16 de julho de 1696 que, á frente de numerosa
bandeira, o Coronel Salvador Fernandes Furtado de Mendonça, quebrando o
silencio millenario das solidões bravias da Itaverava e vingando destemido as
agrestias rudes do Itacolomy, veio erguer, ás margens do ribeirão que, para
perpetua memória desse dia, se chamou do Carmo, a primeira cabana da que foi,
ainda em vida do seu fundador, a primeira villa das Minas — a leal villa do
Ribeirão do Carmo».
E' aqui, incontroversamente, que se abre o periodo historico da Egreja, em Minas; foi á tarde desse luminoso domingo, no momento em
que alli, no Mata Cavallos ( ), o capellão da comitiva, esse benemerito e,
ingratamente, olvidado apostolo da zona do Carmo — Padre FRANCISCO GONÇALVES
LOPES ( ) erguia o primeiro definitivo altar da terra mineira, que se ha de
fixar, na realidade, a era christã de Minas Geraes. Foi com effeito nessa
memorável noite como o imagina venerando Mestre, que aquelles homens, o Padre
Gonçalves, Salvador Furtado, Bento Leite, Belchior da Cunha, outros ainda,
fundadores de nossa terra «irmanados pelo destino, conferindo entre si os seus
projectos e as suas esperanças, deitaram
os fundamentos da patria de seus filhos, sob as bênçãos maternaes da Virgem do
Carmelo, desde logo constituída Mãe e protectora da Terra Mineira. E a gloria
desses filhos tem sido, particularmente, a de haverem mantido inteiro o
compromisso de seus ascendentes: o mineiro, com effeito, tem profundamente
arraigado no coração o culto enternecido da Mãe de Deus; Minas é, sob o regimen
agnostico de 15 de NOVEMBRO, o único
Estado que se governa «EM NOME DE DEUS TODO PODEROSO»!
E Salvador Fernandes Furtado de Mendonça encerrou alli o
cyclo das grandes expedições, ficou sendo o derradeiro BANDEIRANTE, tem que ser
considerado o verdadeiro fundador de Minas Geraes . Foi, de feito, de sua
conquista que, afinal, se irradiou a de todo o territorio. «O arraial do Carmo,
pondera o 'festejado Mestre, autor da Historia Antiga das Minas Geraes, o maior
fóco de riquezas descobertas, centro de onde ise irradiou a definitiva
conquista do territorio, devendo ao Coronel Furtado o lume que o resgatou do
(sel vagismo, emquanto o ribeirão espelhar a cidade, proclamará perpetua a sua
gloria».
Entretanto ao Coronel haviam precedido expedicionários não
menos audazes, emprehendedores por ventura mais temerários, cujo arrojo, impellindo-os
para os ásperos sertões dos CATAGÜAS, ainda narrado, nos enche de assombro, constructores
indefessos da patria, cujos feitos e nomes merecem memorados sempre que se
conte das origens de Minas.
Certo dia entrou a correr por São Salvador que a sudeste da
Bahia, muito a dentro no interior, jazia inexplorada uma riqueza vultuosa, a
desafiar ânimos e ambições.
FRANCISCO BRASA SPINOSA, por incumbência de Thome de Sousa,
mas já no governo de Duarte da Costa, chefiando numerosa expedição, tendo por
capellão o jesuita Padre João de Aspilcuéta Navarro, parte de Porto Seguro, a
ver se levanta essa annunciada opulencia que se perdia ina- proveitada no
sertão, e, a 13 de junho de 1553, se faz ás solidões mysteriosas, que rompeu
até Itacambira, até ás margens do São Francisco.
Não foi de sensíveis resultados esta expedição, particularmente
quanto ao fim em que punha sua mira principal; em nossas montanhas, porém,
deixou proclamado o christianismo pelo orgão do Padre Navarro, primeiro
missionário que pisou o sólo mineiro. Era este sacerdote um daquelles jesuítas,
que com Thomé de Sousa, e sob a obediencia do Padre Nobrega, primeiro Superior
da Companhia no Brasil, vieram evangelizar a nossa terra. Durante o trajecto da
comitiva não estava ocioso o Padre Navarro; antes, tão intensamente trabalhou,
que seu denodado esforço atravez de nossas selvas lhe ganhou a enfermidade de
que se foi logo após o seu regresso.
BRAZ CUBAS excursionou pelo rio Parahyba, em 1560, trepou a
Mantiqueira, explorou as nascentes do rio das Velhas e, descendo o São
Francisco, tornou a Santos, não logrando entretanto vantagens de que a historia
se deva occupar, senão porventura a de manter viva |e alerta a avidez de
riquezas e glorias, que dahi avante não mais adormeceu no espirito da sua e das
gerações que se lhe seguiram.
D. VASCO RODRIGUES CALDA, em 1562, animado com as noticias
levadas por Spinosa, largou da Bahia com cem homens em demanda do sertão, que
varou cerca de setenta legoas. Mallogrou-se, porque empeceu-lhe o avanço a
ferocidade implacavel do TUPINAÊM.
Deve-se a noticia desta expedição ao Padre Leonardo do
Valle, que se presume tel-a acompanhado como capellão.
Mallogros assim seguidos não logravam entretanto apagar
ambições accendidas pelos écos que ião do interior, sobretudo por umas recentes
noticias levadas por Índios do Arassuahy. Por isto, a pouco espaço, em 1570
mais ou menos, MARTIM DE CARVALHO partiu de Porto Seguro com cincoenta
companheiros e 'meteu-se pelo interior, rasgando-o até o rio das Velhas,
latravez do territorio hoje de Minas Novas. Houve porém de regressar mais
depressa do que projectara, forçado por mil contrariedades que lhe oppuzéram
selvagens, desastres e enfermidades.
Ainda assim levou bôas amostras de pedras e metaes
preciosos.
SEBASTIÃO FERNANDES TOURINHO, continuador dos precedentes,
por haver sido, de certo, o mais afortunado delles, ganhou nos compêndios a
reputação de descobridor do territorio mineiro. Foi apenas o quarto
expedicionário; mas a fama de sua auspiciosa jornada ;eccoou ao longe, impressionando
fundamente os espíritos.
Entrou por Victoria, 'em 1573; subiu pela zona do Rio Doce,
depois pelo proprio rio, que navegou até ás cachoeiras; ahi ganhou terra e
avançou por Itambé e, proseguindo, alcançou o Jequitinhonha, pelo qual desceu a
Porto Seguro.
ANTONIO DIAS ADORNO deixou de sua excursão lembranças que
jamais se dissiparam.
O governo em seguida á expedição Tourinho deliberara a serio
a conquista do sertão; depois, as imaginações de dia para dia, mais vivamente
se exaltavam ante a perspectiva de riquezas e glorias fáceis. Muito por estes
motivos e um tanto por obediencia á determinação de Luis de Brito, Capitão
General e Governador da Bahia, Adorno, sertanista de renome, emprehende essa
conquista com 150 brancos o 400 indios. Parte em 1576. Além da serra dos
AYMORÉS entra francamente no districto das ESMERALDAS de que colhe bôa porção,
bem como de turmalinas verdes, logrando ainda indicios certos de ouro e doutros
metaes.
Enfermou no Jequiriçá, em casa de Gaspar Soares, onde aos
hospedes maravilhados narrava as aventuras da expedição tão ao vivo, que João
Coelho de Sousa a tal gráo se enthusiasmara que se fez sem mais ao sertão, onde
obteve resultados promissores; mas antes de conseguil-os francos, positivos,
falleceu cerca de Jequiriçá. Quando, entretanto, deu que se finava, mandou a
seu sobrinho GABRIEL SOARES um roteiro seguro com instantes recommendações de
ir a Portugal para alcançar do rei auxílios e mercês.
Não o ouviu promptamente Felippe II, que subira ao throno de
Portugal; mas obteve por fim favores e mercês, tendo sido encarregado de
chefiar uma expedição que partiu da Bahia em 1592 rumo de Paraguassú. Foi mais
uma que se frustrou.
D. FRANCISCO DE SOUSA, Governador e Capitão General da
Bahia, veiu também a Minas, trazendo em sua companhia o naturalista allemão
GLIMMER, primeiro scien- tista que visitou nosso territorio.
MARCOS DE AZEVEDO, annos depois, foi mais feliz: veiu até o
Suassuhy. Levou bôas pedras, mesmo um diamante. Firmou-se então definitivamente
a fama da opulencia das Minas que deixava a perder de vista a America
Espanhola.
Também os JESUÍTAS, com as devidas licenças, andaram
cincoenta legoas a dentro do sertão mineiro; mas os AYMORÉS os fizeram retroceder,
pois os TUPINAKIS, companheiros dos padres, tinham invencível horror áquella
raça. Em 1664 os Padres Luis de Siqueira e André de Banhos percorreram a zona
do Serro Frio.
Dous filhos de Marcos de Azevedo tentaram explorações que
fracassaram.
FERNAO DIAS PAES LEME, o immortal Fernão Dias, paulista de
remota ascendencia, e mais illustre por nobres serviços prestados á patria,
quando já contava mais de sessenta annos, subiu a seu turno á caça das
esmeraldas. Seguido de numerosos amigos e parentes e de uma centena de Goianás
cuja enternecida affeição conquistara, despediu-se de São Paulo a 21 He julho
de 1674.
A BANDEIRA, de que era capellão, segundo uns, o Padre José
Dias Leite, irmão de Fernão Dias, segundo outros, o Padre Antonio Filgueiras,
entrou logo a soffrer duros revézes.
E ante o abandono covarde de muitos, do proprio seu adjunto
o Capitão Mathias Cardoso de Almeida, cresce a figura veneranda de Paes Leme a
quem o desalento não toca e que prosegue, disposto a affrontar a própria morte
nas brenhas do Guaicuhy.
Suffoca uma revolta justiçando o proprio filho, o mameluco
José Dias. E rasgando estradas, e .assentando arraiaes, prosegue até a
mysteriosa VAPABUSSÜ, ao mesmo tempo que providencia sobre o descobrimento do
Sabarábussú, com- mettendo-o ao genro, Coronel Borba Gato.
Não foi de pasmosos resultados, mas foi sem duvida a
expedição que mais e os mais indestructiveis traços deixou de sua passagem, por
sobre a qual iem ,vão rolaram já cerca de cincoenta annos além de dous séculos.
Ahi estão para immortalizar-lhe a memória: IBITURUNA (mun.
de Bom Successo) o mais antigo lar da patria mineira, SANT'ANNA DO PARAOPEBA
(mun. de Bomfim), SÃO JOÃO DO SUMIDOURO e a sua QUINTA DO SUMI¬DOURO (mun. do
Rio das Velhas).
E' a Fernão Dias que devemos o vasto diâmetro da
circumferencia, como se traçou o nosso território, e os primeiros lares da
nossa civilização».
Descendo do norte, da região de Montes Claros, enfermou á
vista do Sumidouro, ahi fallecendo em maio de 1681. O heróe, para quem Minas
tem sido dolorosamente avara de homenagens, sagrou-o immortal o poema imperecivel
do poeta:
Fernão Diás Paes Leme agoniza. Um lamento Chora longo, a
rolar na longa voz do vento. Mugem soturnamente as aguas. O céo arde.
Transforma fulvo o sói. E a natureza assiste, Na mesma solidão e na mesma hora
triste, A' agonia do heroe e á agonia da tarde.
«Morre! tu viverás nas estradas que abriste! «Teu nome
rolará no largo choro triste «Da agua do Guaycuhy... Morre conquistador! «
Viverás
«Tu cantarás na voz dos sinos, nas charrúas, «No ésto da
multidão, no tumultuar das ruas, «No clamor do trabalho e nos hymnos da paz! «
E, subjugando o olvido, atravez das idades, «VIOLADOR DE SERTÕES, PLANTADOR DE
CIDADES, «Dentro do coração da patria viverãs!»
E sereno, feliz, no maternal regaço Da terra, sob a paz
estrellada do espaço,
Fernão Dias Paes Leme os olhos cerra. E morre» (*).
Quando após o fallecimento de Fernão Dias, seu filho Garcia
Rodrigues fazia-se de volta á terra natal com o resto da BANDEIRA quasi
dissolvida, em Sant'Anna do Paraopeba encontra-se com D. RODRIGO CASTEL BRANCO,
que de São Paulo vinha subindo desde 9 de jmarço de 1681.
Porque de parte a parte havia parentes e amigos numerosos,
deu o encontro geral alegria da qual em má hora veio participar o Borba, que
Deus livrasse de se haver abadiado do (seu Sabarábussú. Foi por então que, por
competições de mando, se travou a famigerada contenda de que resultou o
assassinio do General e, por consequencia, eclipsar-se o Borba por largos annos
foragido entre os barbaros do rio Doce.
Devem-se a D. Rodrigo os primeiros animaes de carga, aves e
outros animaes domésticos que vieram para Minas, e que fortemente contribuíram
para o desenvolvimento da conquista, facilitando as primeiras installações. As
grandes fazendas-de-criar da zona do São Francisco foram fundadas nessa época
pela gente dispersa do fidalgo, que se estabeleceu por Sete Lagoas, Jaguára,
etc., dando origem á indústria pecuaria, ainda hoje prospera riqueza dessa
região mineira.
LOURENÇO CASTANHO TACQUES, outro paulista illustre, refez a
trilha de Fernão Dias (1675) e veiu atacar o Cataguá no sitio que, por esta
razão, se denominou CON¬QUISTA. Perseguiu-o até Ara xá, por onde rumou ao Para-
catú que lhe deve a fundação. Dous annos andou nessa expedição. E' elogiado em
C. R. de 24 de março de 1684, por ser um dos primeiros descobridores de Minas.
ANTONIO PEDROSO DE ALVARENGA excursionotí até o PARAOPEBA.
Ha quem affirme que foi dos primeiros que peneiraram os nossos sertões.
Vinha de São Paulo.
MATHIAS CARDOSO DE ALMEIDA e ANTONIO GONÇALVES FIGUEIRA. O
primeiro era um dos maiores, porventura o maior potentadío de São Paulo. Pela
terceira vez subia ás Minas, onde, já o conhecêramos adjunto de Fernão Dias.
Segunda vez viera na companhia do malaventurado D. Rodrigo.
Agora, á insinuação de Thomé Fernandes de Oliveira,
Governador de São Paulo, é nomeado chefe da presente expedição, que trazia o
intuito principal de sanear o sertão do selvagem que o infestava, empresa em
que dispende sete annos, no decurso dos quaes bate em vários sentidos as nossas
selvas, erguendo no meio dellas alguns arraiaes, Mor- rinhos entre elles, e
fazendas prosperas por onde se deixaram ficar elle e seus companheiros, dentre
os quaes se destacava ANTONIO GONÇALVES FIGUEIRA, que levantou o primeiro
engenho-de-canna de Minas, no Brejo Grande, onde se installou. Empolgado pela
ambição do ouro, este mesmo Figueira vára os sertões do Rio Verde marcando a
sua passagem com fazendas de criar que evoluíram para districtos e cidades,
como sejam: Jahyba, Olhos d'Agua, Montes Claros, etc. (1694).
Mais ou menos frustradas as primeiras expedições, foram
afinal os Taubateanos que effectuaram o descobrimento de Minas.
Como se sabe, varejavam por esse tempo as nossas florestas
os caçadores de indios. Um mulato, friettido nessa empresa, encontra por accaso
o ouro preto, que, posteriormente, de volta a Taubaté, ahi o deu a Miguel de
Sousa ao preço de meia pataca por oitava, desenhando-lhe, por cima, o roteiro
do Tripuhy, local do precioso achado. Apesar de Antonil, que affirma a
ignorancia de ambos os transactores acerca da natureza exacta dos granitos,
parece que o comprador não foi sincero na transação.
Como quer que fosse, Miguel de Sousa com calculada reserva
se faz prestes para uma expedição, despachando de prompto, desfarçadamente por
evitar o assalto da região, a JOSÉ' GOMES DE OLIVEIRA, o qual veiu dar comsigo
na ITAVERAVA, perdendo-se na orientação do Itacolumy. Escassêando-se-lhe os
recursos, mandou partirem Vicente Lopes e outros para Taubaté afim de lh'os
trazer novos e mais copiosos.
Em consequencia, sóbe, em 1692, ANTONIO RODRI¬GUES ARZAM,
vindo dar com os socios ainda hesitantes sobre a direcção do Itacolomy. A'
vista disso decide-se elle pela serra do Guarapiranga, por onde vae ter aos
Arripiados, ao rio Casca, conduzido pela illusão de que a Pedra bnenina fosse o
Itacolomy desejado.
Atacado pelas febres, desiste do projecto, assentando
comsigo retornar logo ao littoral, o que realiza, via Espirito Santo,
condescendendo nisto corn os seus indios temerosos de voltar a Taubaté. No Espirito
Santo presenteou o Capitão Mór com tres oitavas de ouro, de que se fabricaram
dois anneis dos quaes um lhe foi dado. Apenas chegado á terra natal, falleceu.
Suppõe-se que a Arzam tenha acompanhado, nas func- ções de
capellão, o Padre Felippe Lacontria, sacerdote que permaneceu em Minas, onde
mais tarde se transformou em opulento proprietário, no Rio das Velhas e no
Furquim.
BARTHOLOMEU BUENO DE SIQUEIRA herdara a Arzam, seu cunhado,
o segredo das Minas. Como os parentes lhe provessem de sufficientes recursos, e
associando-se-lhe o poderoso MIGUEL GARCIA DE ALMEIDA E CUNHA, que se amparava
em bôa e numerosa tropa, metteram-se a cami¬nho das Minas, descançando em Itaverava
onde fizeram alto, em 1694. Ahi, ensinados pela amarga experiencia dos mal-
avisados que os precederam, semearam cereaes cuja colheita, esperavam, os
puzesse a coberto de futuros revézes.
Bueno partiu para o Rio das Velhas aquartelando-se em
Sant'Anna do Paraopeba, fundação florescente de Fernão Dias, donde, a espaços,
sahia ás suas explorações.
Miguel Garcia permaneceu em Itaverava para vigiar as roças;
(por sua vez sahia freqüentemente em demoradas excursões pelos arredores. Certa
vez, distanciando-se mais do que lhe era costume, deparou-se-lhe um curso
d'agua que, por ser mais volumoso, foi seguindo na esperança de abundante
pescado. Não havia peixe; havia ouro e do mais fino de que com sua gente colheu
animadoras amostras.
Levantou, entretanto, mal a encetara, a feliz exploração,
visto como no arraial reclamavam sua presença os cuidados da plantação.
Aguardava-o no rancho festiva surpresa: era o Coronel
Salvador Fernandes Furtado de Mendonça, que, despedido de Taubaté em princípios
de 1695, sem que ninguém esperasse, surgira um dia na Itaverava, trazendo
optimos reforços com que contava apressar o descobrimento.
Foi então que Garcia, cuja ambição se inflammara vivamente á
vista de umas armas novas de que o Coronel vinha munido, interessando-se
singularmente por ellas, propoz-lhe sua acquisição em troca de todo o ouro que
trazia na comitiva.
Fechou-se o negocio, entrando ainda na transacção duas indias
que o Coronel, depois de sufficientemente instruídas, fez baptizar com os nomes
de Célia e Aurora, tendo sido estes os PRIMEIROS BAPTISMOS CONFERIDOS EM MINAS.
O mais delicado episodio do poema VILLA RICA calcou-o
Cláudio Manoel sobre a historia dessas indias.
Bartholomeu Bueno, tornando de SanfAnna, teve sciencia do
negocio, contra o qual levantou immediato protesto, reprehendendo o companheiro
e fazendo-o sentir que não era propriedade isua, senão de toldos, o ouro
colhido pela bandeira; declarava-se em 'summa pela nullidade da transacção.
Azéda-se a disputa, e ia degenerando em lamentavel con- flicto, se p Coronel,
superiormente desinteressado, não calmasse a tempo os exaltados abrindo mão
desse ouro que apparecía sob tão assustadores auspícios. Cedido a um terceiro,
por accôrdo geral, é immediatamente remettido a Carlos Pedroso, em Taubaté.
Esse ouro foi parar afinal ás mãos do Governador Geral, e
(por haver sido manifestado regularmente o rio donde se extrahira, é
considerado, sem o ser, o primeiro que se tirou das Minas.
Pouco depois separaram-se os amigos: Bueno ruma para o oeste
e descobre o PITANGUY; Furtado encaminha-se para o norte, onde se lhe depara o
ribeirão do CARMO, a cujas margens o vimos chegar naquelle refulgente domingo
de julho, dia de Nossa Senhora do Carmo, de 1696.
Dois annos mais tarde descobre-se o Ouro Preto.
Nunca se fará demasiado a apologia desses intrépidos
desbravadores de nossas selvas, batedores de nossa civilização, constructores
desta formosa e opulenta porção brasileira que é, sem duvida, Minas Geraes.
Fôramos culpado de 'flagrante injustiça não realçássemos as
façanhas de bravura e arrojo do bandeirante ousado que, «violando sertões,
plantando cidades», espantando o mundo com lessas obstinadas e atormentadas
peregrinações, que estão a desafiar poetas, fundou e fez Minas Geraes.
«Que fadigas, que riscos, que calamidades de fome, de
moléstias, de soffrimentos, exclama Pereira da Silva, não acabrunhavam
igualmente os aventureiros por invias florestas virgens, habitadas por animaes
ferozes e reptis empeço- nhados; atravez de rios caudalosos, cujas aguas
temeraria- mente transpunham em pedaços de páo e em pranchas mal seguras; pelos
declives de serras altanadas, onde rolavam pedras e apavoravam precipícios,
travando amiudados e consecutivos combates com o gentio que lhes não poupava
algaras e emboscadas!».
Louvores ao bandeirante a quem devemos tanto, a quem
particularmente devemos a firmeza de nossas crenças religiosas, de quem
herdámos a probidade proverbial, a austeridade característica da gente mineira,
morigerada, laboriosa, affeiçoada á liberdade, á ordem, á patria e á religião.
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